- Então,
recapitulando, você é um homem comum, muito velho que estudou muito e aprendeu
a viajar no tempo, mas tem outra pessoa que também consegue fazer isso e isso é
tremendamente perigoso, o que significa que essa pessoa precisa ser detida? –
Questiona, Andrian, encarando Gesh ao pé de uma árvore de folhas largas,
afastados da estrada, e fora do alcance dos recém empregados de Arthur Cadana –
E você é o escolhido de um ser primordial do mesmo nível de uma divindade para
realizar um feito importante para a perpetuação do universo, mas não pode saber
dos detalhes da sua missão até que chegue o momento crucial? – Encara o pequeno
felino, Andrian, com semblante de desconfiança.
- Joko. O nome dele é
Joko. E também ele não pode ser visto, nem ouvido, nem tocado, nem cheirado,
nem lambido por ninguém a não ser eu. Isso ficou estranho, mas eu só queria
deixar claro que nenhum dos sentidos funcionam ao interagir com Joko, a não ser
que seja o escolhido, que no caso é conhecido como Eu, mas vocês chamam de
Meji, Mejimeal, Gato, você aí, psiu, essas coisas. Ele também me ensina fazer
várias coisas, como misturar um monte de tranqueira sem sentido e pronunciar
umas palavras que ele inventa pra parecer magia e tal, mas é só o poder dele
agindo da vastidão da primordialidade dele fazendo com que as leis que fazem o
nosso mundo funcionar sejam violadas ao seu gosto. Ele já me mandou pegar
insetos mortos, bosta de morcego e um punhado de...
- É sempre que ele
faz isso? – Pergunta, Gesh, ao cavaleiro enquanto Meji se empolga ao falar de
Joko.
- Acredite, eu já fiz
o teste de ver até onde ele vai. As vezes não para mesmo – Responde, Andrian,
calmamente enquanto puxa fôlego e encara Mejimeal – MEJIMEAL!!! – E o felino
interrompe seu discurso no meio de uma de suas palavras – Você não pretendia me
contar que mexe com bruxaria?
- Tecnicamente, nas
palavras do Joko, é feitiçaria, porque meio que ta no meu sangue e essas
coisas. Bruxaria precisa ficar devendo pra alguma entidade, parece mais maligno
do que o que eu faço.
- Eu me lanço na
frente de espadas por valores que acreditamos e você não confia em mim?
- Olha, confiar eu
confio muito, mas você me tirou da fogueira porque me acusaram de bruxaria. Eu
imaginei várias vezes como seria sua reação comigo chegando em você e falando “olha,
valoroso paladino de Cura, eu faço magia seguindo as ordens de um espírito
ancestral que você não é capaz de ver. O que quer pro jantar?” e em nenhuma das
vezes eu tive um resultado sequer neutro – O garoto magricela vai falando
enquanto deixa sua bolsa no chão e abre os braços – Pronto, sem magia nenhuma.
Fale o que quiser, faça o que quiser. Eu confio plenamente em você.
Apreensivo, Gesh
começa a procurar afoito em algo dentro de sua bolsa temendo não haver tempo o
suficiente para que consiga impedir o grandalhão no caso de uma atitude hostil.
Andrian desembainha
sua enorme espada de aço negro e com dois movimento muito rápidos e precisos,
crava sua espada até a metade no solo. Com apenas a mão direita sobre o cabo, o
cavaleiro se põe a falar.
- Pequeno. Eu já lhe
disse algumas vezes. Meus superiores estão todos mortos. Sigo apenas aos
comandos do deus Cura e o meu juramento, que em hipótese alguma inclui fazer
mal a um garoto que não seria capaz de fazer mal a ninguém – O cavaleiro,
emocionado, dá passos apertados na direção do pequeno felino com os braços
abertos na intenção de um abraço, mas seu corpo atravessa o corpo etéreo do
felino, que se desfaz na bruma da noite.
No galho mais
afastado da árvore ao lado deles, Meji se equilibra de pé com uma mão na cabeça
e sorriso forçado:
- Então... como eu ia
dizendo. Eu confio, mas vai que né...
Antes mesmo que
Andrian pudesse se enfurecer, o velho explode numa gargalhada genuína que
imediatamente contagia os dois. O brutamontes derruba o pequeno gato arremessando
sua bainha no galho e ao fim das gargalhadas decidem por retornar à taverna,
concluir a conversa que poderia ser longa num local mais seguro e reservado.
Os primeiros raios de
sol já ultrapassam os vãos das janelas do quarto da taverna do Vorme Dor-Minhoco.
No caminho para a taverna Mejimeal havia contado toda a sua vida com uma
incômoda riqueza de detalhes, o que fez com que não conseguisse se manter
acordado durante a noite.
Gesh havia contado
muita coisa a respeito de seus poderes, mas uma parte realmente pequena havia
sido inteligível a Andrian. Uma parte menos ainda parecia fazer sentido, mas o
cavaleiro se esforçava:
- Cura, Fera e Venara
criaram segredos para que o mundo pudesse funcionar, certo? – Com um pedaço de
carvão fino e diversas folhas de papiro de Gesh espalhadas à sua frente,
Andrian questiona enquanto faz diversas anotações.
- Isso mesmo!
- Você tem parte de
um desses segredos e eles precisam se manter assim, escondidos...
- Pode-se dizer que
sim
- E é isso que te
faz poder viajar para o futuro e para o passado...
- Na verdade é como
se eu conseguisse andar através das ramificações do universo, em qualquer linha
temporal, e em qualquer ponto de qualquer uma delas. Eu vejo todas as
possibilidades de linhas temporais como você vê o emaranhado de estradas assim
que sobe um monte bem alto.
- Entendi...
Entendi... – Apanha um dos papiros e anota algo com bastante vontade – E esse
outro ser que também é capaz de fazer isso. Como ele é?
- Não sei. Só ouvi
relatos sobre ele. Inteligente, obstinado, forte, coisas assim!
- Tá, mas se a missão
é impedi-lo de usar essa capacidade pra fazer o mal, devemos saber como ele é
para poder encontrá-lo e detê-lo. Não?
- Sempre que suas
ações alteram o fluxo natural do tempo eu consigo sentir. Como quando você está
numa estrada e algum maldito salteador ateia fogo em uma vila. Eu vejo a fumaça
da violação do tempo.
- Ainda assim, Gesh.
É muito pouco.
- Eu consigo ter
vislumbres da linha temporal original. Consigo ver onde foi alterada. Basta
interagirmos com as pessoas envolvidas na bagunça. Descobriremos assim. Esse é
o plano, Andrian.
- Tá, ta, que seja.
Mas ainda não entendi porque eu. Foi aleatoriamente que você escolheu?
- Não existe uma
forma educada de dizer isso. Você morre na esmagadora maioria das linhas
temporais. Tirar você dessa linha temporal pra me ajudar não vai alterar o
fluxo das coisas, entende?
- Você me escolheu
porque eu não faço diferença no mundo?
- E porque você é
grande. Eu senti meu Eco no único dia que me aproximei demais do ser que viaja
no tempo. Fiquei desesperado. Eu literalmente vi todas as minhas outras versões
morrendo e me safei de forma muito vergonhosa. Foi nesse dia que eu entendi que
sozinho eu jamais conseguiria.
- Sinceramente Gesh!
– Bate a mão no chão despedaçando o carvão – Qual a diferença entre você e o
Arthur? Você está querendo um assassino pro seu rival!
- Ei, espera aí
moção! – Engrossa também – Em nenhum momento eu falei de matar ninguém. Até
porque matar não resolve. Eu sei o que fazer com ele, o que eu quero é ajuda
mesmo. Mais cabeças pensando e um guarda-costas intimidador. Jamais faltaria
com a verdade com você!
- Então ficamos
combinados assim, Gesh. Eu serei seu guarda-costas, mas nós vamos fazer isso do
meu jeito. Eu darei as prioridades e eu escolherei quando lutamos e quando
partimos, estamos entendidos?
- Acho que você foi
bem enfático!
- Então, primeiro,
vamos resolver de vez essa história com o Cadana!