Amanhece na pacata Tribo
dos Cães e Gatos, um lugarejo ao norte da famosa metrópole Palácio das Copas,
na Grande Floresta. Um dia, num passado distante chegou a se tornar uma cidade
próspera, mas para o bem de seus fiéis habitantes, os licans gato e licans cachorro,
são tempos que não voltam mais.
O som alto e
desesperado de uma infinidade de pássaros sendo assustados pelos latidos
impacientes dos licans caninos contrasta com a preguiça e calma dos licans
felinos, que se espreguiçam sobre os galhos, nada dispostos a se juntar aos
seus companheiros de tribo. Os raios de sol passam caprichosamente por entre as
folhas largas das árvores mais altas acertando em cheio o rosto mais preguiçoso
entre os licans gato. De pelo acinzentado com uma mancha negra em volta do olho
esquerdo, Mejimeal tenta se ajeitar sobre seu galho, mas se estabaca no chão,
aos pés de Gigaru, seu não tão amigo lican cachorro.
- “Nhééél”... Bom dia Gigaru... disposto
cedo já não é mesmo? – Pergunta o gatinho magrelo enquanto ajeita suas botas,
luvas, o pequeno capuz e sua espada demasiado pequena.
- “Grrrr” Sempre nos atrasando né Meji.
Não só você – Esbraveja o cão raivoso enquanto aperta sua lança e aguarda um
curto espaço de tempo, obviamente sem resposta do gato – Meji, se mexa, hoje
você tá na caça comigo, ta esperando o que?
- Poxa Gigaru,
desculpa mesmo, eu não estava dormindo. Estava falando com o Joko, ele estava
falando que hoje eu ia sair da tribo, mas daí a bola de luz no céu esquentou
meus olhos e me jogou com força no chão, que é onde eu estava quando você me
acordou latin... uivando bravamente como os mais bravos caninos das estepes
longínquas... – Desembestava a falar, o gato, até ser interrompido por Gigaru.
- Tá bom ta bom.
Chega! Você nunca pega sua lança e leva sempre esse palito de ferro mesmo.
Vamos logo!
Totalmente
contrariado, Mejimeal parte com seu parceiro de caça, Gigaru floresta fechada
adentro, confiando totalmente nos sentidos do cão. Durante as quase duas horas
que percorrem dentro da floresta, o pequeno felino só parava de falar quando
era repreendido pelo cachorro caçador, até que Meji fica pra trás por avistar
algo muito chamativo.
- Sim, Joko, eu
achei, e olha que eu nem estava procurando – o gato fala sozinho ao passo que
se curva e se esgueira atrás de uma árvore – Eu também acho muito bonito, Joko,
tanto por fora quanto o barulho. Música, música... – Devaneia enquanto continua
se esgueirando para perto da maravilha – Eu só não entendo como isso vai fazer
sentido no futuro, Joko, mas realmente é muito bonito!
Um latido alto corta
bruscamente o clima com um grito preocupado e de voz roca e canina:
- CUIDADO, MEJI!!!
UMA SERPENTE!
Desatento, o gato
vira a cabeça lentamente pra direção do grito e avista o enorme lican canino
pulando sobre ele. Tudo fica muito turvo, ambos rolam algumas cambalhotas na
grama e na terra quando Meji acerta as costa em uma árvore e já se postura com
as quatro patas no chão, pelos eriçados e procurando alguma coisa olhando para
todos os lados.
Gigaru há alguns
metros dele, desmaiado, com uma serpente verde claro com a boa escancarada, os
dentes fincados em seu braço e parte do corpo enrolada no mesmo braço.
Meji se espanta,
retoma a postura e corre para a árvore onde estão caídos:
- Oh por Fera, mas o que foi que houve aqui?! –
Ele pega o chocalho da cauda da serpente com ambas as mãos, segura o corpo da
serpente com o pé e puxa até soltar – Peguei Joko. Não sei direito como
aconteceu, mas está aqui...- Fala enquanto caminha, já de costas para o cão
desacordado – O que? Gigaru? Joko, calma, não tô entendendo nada... Ah, o
Gigaru foi mordido... Isso mesmo! Como assim urgente? COMO ASSIM EU CARREGÁ-LO?
Ao anoitecer, já de
volta na tribo, todos reunidos na grande tenda, a casa de Zartano, único humano
da tribo, aguardam a chegada de Mejimeal para o interrogatório, e possível
punição.
O gato magricela
entra na tenda lotada esbarrando em todos e incomodando mais com os excessivos
pedidos de desculpa até que toma a posição central e se põe a falar:
- Tenho uma notícia
boa e uma ruim... como todo mundo escolhe a boa primeiro, bem, como sou
parceiro de caça do Gigaru, amanhã não precisarei ir pra caça... – Após um
constrangedor momento de silêncio e algumas feições de desaprovação, o gatinho
volta a falar – E a ruim é que ele não morreu e logo vai estar latindo pra
gente... Tudo bem, eu não agradei, eu nunca agrado, não tem problema, podem
começar, sou todo ouvidos, eu vim aqui para escutar o que vocês tem a dizer, se
tem uma coisa que eu vim fazer aqui hoje é escutar, se alguém me perguntasse
“Meji, o que você está indo fazer” eu diria “escutar”, Astoro mesmo me
perguntou no caminho... – Como de costume, começou a falar sem parar até que o
próprio Zartano o interrompeu:
- CHEGA MEJIMEAL!!! –
Um grito poderoso do homem cabeludo e musculoso quase velho – Tem noção do
risco que você traz a nós com sua imaturidade e com sua loucura?
- Em minha defesa,
devo dizer que me acho deveras maduro, e quanto à loucura Joko discorda. É
sempre bom ter uma opinião vinda de fora né... – Fala olhando para baixo,
brincando com os dedos e com as pontas dos pés juntas.
- Joko – Zartano
começa a falar e se levanta – O espírito da fera ancestral próxima do deus Fera que usa a sua pessoa como forma de
transferir seus conhecimentos à nossa humilde estupidez? – Pergunta entoando a
voz numa espécie de ensaio de sarcasmo.
- Com relação à
humilde estupidez eu não sei se concordo com a parte que diz... humilde –
Retruca falando baixo, discretamente e levantando o indicador da mão direita.
- Você acha graça,
Mejimeal. Você acha graça num companheiro de tribo enfermo e sofrendo? Só
porque ele é de uma raça da qual você não pertence? – Engrossa novamente
Zartano se aproximando do pequeno felino.
- Diz o único humano
na tribo dos CÃES e GATOS! – Fala se afastando do Zartano estendendo sua mão
esquerda na direção dele enquanto mexe na bolsa com a mão direita.
- Você questiona a
minha liderança sem pedir por uma luta? – Zartano fala com Mejimeal, embora
olhando e esperando incitar os demais.
- Nananinanão... Nem
questionar a liderança, nem quero abrir mão da luta... er... quer dizer... AH!
Achei, era isso que o Joko mandou eu pegar – Tira de dentro da bolsa o chocalho
da serpente e joga para Zartano – Bonito né?
Todos se levantam e
sacam suas armas com ódio aparente do pequeno gato, então, Zartano com
semblante vitorioso se põe a falar calmamente novamente:
- Então você arriscou
a vida de um companheiro, um parceiro da caça por um chocalho?
- Na verdade
verdadeira mesmo, eu ia pegar a cobra sozinho, ele nem precisava se machucar,
mas ele ficou com medo de eu me machucar sabe, achou que eu era indefeso e no
lugar de me atacar cercado dos meus irmãos jogando todos contra mim, como a
cobra, não, o Gigaru, ele pulou pra me salvar. Foi isso – Extremamente nervoso
e confuso, Meji vai falando e procurando um espaço longe dos demais onde pareça
estar mais seguro.
- Isso é tudo o que
você tem contra o único daqui que foi capaz de livrar todos vocês da ameaça dos
desgarrados de Kilnarak. ISSO É TUDO O QUE VOCÊ TEM CONTRA O SALVADOR DOS CÃES
E DOS GATOS DAS PRESAS DOS VAMPIROS???
- AH! É ISSO!
Obrigado Joko, agora eu sei o que fazer – Meji se empolga e fala olhando para
os lados como se visse alguém perto dele, toma fôlego, pega uma bolsa pequena
de couro de dentro de sua bolsa e mostra um símbolo que significa Zartano -
Conhecem esse nome certo?
Os cães e os gatos se
entreolham confusos e murmuram entre eles.
- É o meu nome, mas
quem disse que é minha? – Tenta se defender precocemente o humano.
- É que eu tava
pensando: Aqui a gente não usa moedas né?! De lugar nenhum, muito menos de
Kilnarak. A gente caça as coisas e tal. Eu tava pensando também, de vez em
quando ainda some algum amigo ou parente nosso né?! Eu acho estranho. Aliás, eu
nem quero ser o próximo a sumir, mas eu vou sumir...
- Onde você quer
chegar seu insolente? MATEM ELE – Ordena Zartano
Enquanto todos
empunham suas armas e apontam, ainda que confusos, para o pequeno felino, ele
faz sinal de rendição, o que faz com que esperem mais um momento.
- Olha, vou sentir
saudades de vocês. Menos dos que latem, mas vou sentir saudades também – Abre a
pequena bolsa com o nome Zartano e deixa cair ao chão diversas moedas de ouro
de Kilnarak. No momento de espanto, quando Zartano toma em punho a lança do
lican mais próximo, e antes que pudesse atacar, Mejimeal retoma a fala – Seria
bom conversarem com ele assim como fizeram comigo, mas quando acordarem. “Cypath”!!!
Do chocalho da cobra
explode uma fumaça esverdeada que toma toda a tenda e antes que pudesse ter
certeza de que ela colocara alguém pra dormir mesmo, o pequeno felino já estava
longe, na estrada larga rumo as cidade do norte do reino de Heldergaid.
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