quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Circle

Muito relutantemente acabei ouvindo a dica de um amigo a respeito de um filme que ele havia assistido no Netflix. A propaganda foi muito boa, e confesso ter demorado para conferir justamente por conta disso, quando ficamos com aquele receio da expectativa arruinar a experiência que algo poderia nos trazer. No caso, isso não aconteceu e foi uma experiência fantástica a que eu tive assistindo sozinho, no silêncio do meu quarto, a esse filme que agora eu indico. Aliás, aconselho que, antes de continuar a leitura, assista ao filme, ele se chama “Circle” e, além do Netflix eu não faço ideia de onde possa ser encontrado.
Comecei com um pé atrás, mas a imersão provocada pelo início começou a me ganhar. A luz baixa, ficando mais clara conforme as pessoas em volta do círculo iam acordando pareceu estar dizendo que eu despertava para o filme tal como cada um deles, e eu mal sabia que essa meta linguagem estava só começando.
De repente um raio e “bum”. Um dos cinquenta cai e não se levanta mais. Alguma coisa o puxa para além da vista dos demais e fim. Assim, sem explicação, sem pedir permissão, sem que ninguém soubesse quem era. Ele morreu. Tal como a morte acontece na vida das pessoas. Talvez para os mais próximos faça falta. Talvez não houvesse nenhum conhecido. Todos se assustaram como que houve. Se importaram com a possibilidade de ser o próximo, jamais com o sujeito. A gente vê muito isso na vida.
Passa um tempo, outro raio. Mais um tempo, outro raio. E o ciclo se repete até que decidem fazer alguma coisa. Alguém assume a posição de porta-voz. Descobrem que podem votar em quem seria o próximo, levam em conta algum argumento aceito pela maioria. E a minoria? Eles estavam sendo votados, tentando explicar porque as coisas não deveriam ser assim. E atingidos pelos raios antes de concluírem. De tempo em tempo alguém vai morrer, então, vamos fazer algo com esse tempo ou vamos nos lamentar? Julgar os demais? Discutir? Até que ponto isso é “fazer alguma coisa”? Aquelas cinquenta pessoas, agora um pouco menos, formam um círculo, e nas nossas vidas fazemos parte de alguns. Em que circunstâncias votamos ou somos votados a deixar de fazer parte deles? Em quais deles estamos tomando esse raio nos fundilhos?
O porta-voz é acertado pelo raio após se enrolar em seus argumentos. Acho que já ouvi falar de alguém que tomou a frente em uma situação problemática, apresentou uma solução que foi aceita pela maioria e depois foi execrado por elas. E assim acontece mais algumas vezes. Começam então argumentos mais pessoais, apelam para uma possível ética, ataques com e aos mais variados preconceitos, julgamentos fervorosos em determinado momento fica bastante evidente que o que mais diz respeito sobre cada um é a forma como julga os outros. E então começo a ver como tem uns caras mais sensatos que outros, e como tem uns filhos da puta. Como conseguem julgar os outros só pelas aparências e algumas frases que acabaram de dizer? Mas peraí... é exatamente o que eu estou fazendo enquanto assisto, já que estou com eles ao mesmo tempo que cada um dos outros.
Alguns começam a se lembrar onde estavam quando foram parar no círculo, e mesmo que alguns não se lembrem, uns afirmam ter absoluta certeza de que existem outros círculos. Mesmo sem lembrar direito, eles sabem que existe algo além daquilo ali e que vieram de algo anterior a aquilo. Caramba, de onde vimos e para onde vamos... e dois minutos depois... raio na cara. E quem diz que esse raio mata? Ele pode só desmaiar e quem sabe, de repente acordar em outro círculo. Esse raio pode apagar sua memória desse círculo. Aaaaah, são tantas possibilidades, são tantas dúvidas, mas não há tempo para pensar em tudo isso já que são perguntas sem resposta, uma vez que o tempo aqui é limitado. É preciso “fazer algo”.

Chegando no final, e a minha conclusão a respeito é que... devo assistir de novo, talvez prestando mais atenção, pois o final me pareceu meio besta, e não acho que a vida seja essa besteira.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O dom de ser Professor

Semana passada teve início o meu estágio de observação no curso de Licenciatura e foi com certa nostalgia que entrei numa sala de aula do ensino médio quinze anos depois da última vez que entrei em uma como aluno. É meio complicado dissociar a visão de um aluno completamente desinteressado, como era o caso, da visão de um professor em potência ao observar as aulas, já que, ainda que muitos anos tenham se passado e a evolução tecnológica tenha construído um espaço completamente novo nas salas de aula, os papéis representados pelas figuras dentro da sala são os mesmos, e o roteiro pode sofrer algumas alterações, mas a obra segue ainda a história original.

Quando citei o desinteresse não foi com o sentido de crítica, mas de constatação de um fato. Pra que você também faça isso basta se lembrar de como funcionava sua agenda quando estava no ensino médio. O que era mais importante? Levando isso em conta, eis o que julgo ser o primeiro dos desafios de um professor: Como despertar o interesse de uma turma inteira de alunos para aquilo que pretende abordar?
Se eu tenho a resposta? Claro que não, mas a cada reflexão sobre o assunto, meu respeito aos professores que tive (e tenho) aumenta e muito. A professora de matemática que jogava giz na molecada pra que se concentrassem, eu achava maluca, mas nunca consegui esquecer bhaskara. O professor de filosofia que estourou uma bexiga sem conexão alguma com nada do que ele estava falando, mas não esqueço que ele estava falando de ato e potência, e os exemplos não param, mas também não é somente sobre isso que quero falar.
As dificuldades dentro da sala de aula são muitas, desde a própria evolução tecnológica que poderia estar servindo aos propósitos docentes, mas que na esmagadora maioria das vezes serve como mais uma distração, até o conceito formado que toda a sociedade tem acerca do papel a ser exercido pelo professor e pelo aluno. Mesmo a metodologia bancária, ou seja, o professor fala e os alunos escutam, estando obsoleta, é o que os alunos e responsáveis esperam e qualquer coisa diferente disso gera um choque muitas vezes sem bons resultados, um reflexo de outra dificuldade, mas que vem de fora, a educação.
Não parece clara a diferença da educação enquanto comportamento e conveniência social e da educação enquanto formação. São dois momentos distintos, mas complementares no processo. Um aluno não chega na escola pronto para receber conhecimento e retornar mais sábio pra casa apenas, até porque o processo das aulas proporcionam aprendizado em uma via de mão dupla. Mas professor nenhum pega alunos enquanto tabulas rasas para imprimir neles a cultura da qual eles devem preferir ou não. Essa educação enquanto comportamento, cultura e conveniência social é potencializada pela figura do professor, mas ela é desenvolvida bem antes da escola, trata-se da subjetividade de cada um.

É claro que essa visão ainda se trata de um recorte que um humilde graduando faz da parte que lhe é observável e muitas outras dificuldades poderiam (e deveriam) ser comentadas, mas de todo modo, o mínimo que podemos ter com relação a aqueles que nos ensinaram desde escrever o próprio nome até a desenvolver teorias complexas a ponto de alimentar o nosso ego, é respeito e gratidão por uma figura que se capacita e aceita uma profissão de extrema importância sem deixar tão claro que possuem um dos mais valiosos dons pra exercê-la, o dom de ser professor.