sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

I - JURAMENTO


Uma aparentemente tranqüila noite na pequena cidade de Gorovir. O grave e pausado crocitar das poucas corujas cortam o silêncio cidade adentro. Longos anos de treinamento chegaram ao fim para o jovem Andrian, cujos passos ecoam pelos corredores da filial dos Caçadores de Dragões rumo à cerimônia de seu juramento. Ele já havia pensado muito sobre as responsabilidades do dever que estava prestes a assumir.
Porta adentro, num grande salão de pedra recheado de decorações rústicas e bandeiras de uma das principais forças militares de todo o reino, o aguardam para a cerimônia: seu mentor, Rafi, um sujeito alto e troncudo com feição séria e armadura completa por debaixo da túnica; o tenente Castilo, um idoso magricela, arrogante e muito cheio de si; e mais dois soldados, ambos juramentados, com armadura dos pés a cabeça e armados com lanças e escudos.
Após percorrer todo o tapete azulado, com o joelho direito no chão, mão esquerda cobrindo a direita, ambas sobre o joelho esquerdo, Andrian respira fundo e olha para cima, com apenas algumas madeixas entre seu rosto e o olhar indecifrável de Castilo, do outro lado da mesa.
- Seria demasiado tolo da minha parte questionar se está pronto, pequeno Mocer. Não pelo que, no vulgo, haveria de ser o óbvio, mas por crer na sua falta de sinceridade e despreparo. No entanto, felicita-te, ó rebento, pois nossos soldados mais capazes da capital carecem de escudos de carne tal como se apresenta: Sem origem, sem destino e motivado... – Discursa o tenente com a voz coberta de desdém
Os soldados tomam suas respectivas lanças e escudos, se ajoelham ao lado de Andrian, com escudo e lança cruzados a frente dos joelhos. Rafi toma posição ao lado direito de Castilo e iniciam a cerimônia. Na mesma posição, fazem uma oração ao deus Cura. Após a oração, os soldados se levantam, Rafi toma o livro dos juramentos em suas mãos e faz um sinal para que o jovem se prepare enquanto um dos soldados busca uma grande caixa comprida e larga e a coloca na frente dele.
Rafi:
- Eu, como um soldado juramentado dos Cavaleiros Caçadores de Dragões... – Na cabeça de Andrian, lembranças de seu falecido pai, deixando a taberna pra trás, correndo com ele até a carruagem, rumo à cordilheira dos Kans.
Andrian repetindo:
- Eu, como um soldado juramentado dos Cavaleiros Caçadores de Dragões... – Suas memórias ainda fixas num passado distante, onde ele perguntava ao pai sobre a mãe, vendo um clarão sendo deixado pra trás na cidade.
Rafi continuando:
- ...juro solenemente em cada oportunidade que tiver... – E a memória do jovem o levou ao momento em que os soldados os encontraram no esconderijo nos arredores das Rúinas de Xadar Kan anos depois.
Andrian ainda repetindo:
- ...juro solenemente em cada oportunidade que tiver... – Ele foi levado de volta à cidade pelos soldados. Arrastados atados aos cavalos. Forçado a ver seu pai executado na fogueira. Pela segunda vez o clarão.
Rafi ainda:
- ...tornar o mundo um lugar melhor... – As lembranças o levou aos momentos em que apanhava dos outros garotos, e os adultos os davam razão.
Andrian novamente:
- ...tornar o mundo um lugar melhor... – As palavras “filho da bruxa” ecoando na sua cabeça e no seu coração.
Rafi concluindo:
- ...e quando isso não for possível, impedir que se torne pior! – Andrian não parava de pensar em como poderia não se tornar pior.
Andrian
- ...e quando isso não for possível, impedir que se torne pior! – Dizer as palavras enquanto os soldados abriam a caixa revelando a enorme espada de aço negro lhe trouxe uma revelação. A maior delas até então.
Instantes depois, os passos de Andrian passaram a ecoar no sentido da estrada ao norte. Um quartel destruído deixado pra trás, com chamas acesas para consumi-lo e a todos que poderiam tornar o mundo um lugar pior para alguém.
Com os olhos transbordando da dor que há muito não cabia mais no coração, o jovem Andrian Mocer, fruto do amor de uma bruxa com um taberneiro, adotado pelo templo como pária da cidade, conclui o seu juramento enquanto encara a estrada alaranjada pelas chamas atrás dele:
Eu
como vingador daqueles que sofreram
juro solenemente em cada oportunidade que tiver impedir que o mundo se torne pior
e quando isso não for possível
fazer com que os responsáveis paguem o preço!
Não espero ajuda dos deuses
apenas o seu perdão, se forem capazes.


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